Herpetólogo documenta predação de filhote de cobra-preta por cobra-coral
11/12/2024
Registros feitos no município de Santa Luzia (PB) revelam comportamento comum da espécie, mas incomum de ser flagrado na natureza. Herpetólogo registra predação de muçurana por cobra-coral
No fim do mês de novembro, o herpetólogo Willianilson Pessoa registrou uma cena surpreendente da natureza: uma cobra coral-verdadeira (Micrurus bonita) predando um filhote de muçurana (Pseudoboa nigra), ou cobra-preta. O flagrante, ocorrido em Santa Luzia (PB), revela um comportamento conhecido da espécie, mas raramente visto em seu habitat natural.
"Foi no turno da noite. A coral verdadeira tem o hábito predominantemente noturno, é um bicho que caça à noite e sai à noite, e aí ela encontrou também uma serpente que é noturna, que é o filhote da muçurana", explica Willianilson.
Cobra coral-verdadeira (Micrurus bonita) predando filhote de muçurana (Pseudoboa nigra)
Willianilson Pessoa
São chamadas de muçuranas todas as espécies de serpentes que são totalmente ou predominantemente pretas. Com corpo comprido, podem medir entre 1,5 a 2,5 metros e são inofensivas aos seres humanos.
"É um registro incomum. Como a coral tem no Brasil inteiro, quem trabalha com cobra já tem vários vídeos na internet, registros dela comendo anfísbenas ou outras serpentes. Não é algo raro, mas é muito difícil de ver. A pessoa tem que dar muita sorte".
As muçuaranas são conhecidas popularmente por predarem outras cobras e por serem imunes à peçonha, mas como já mostramos no Terra da Gente, não é exatamente assim que funciona, pelo menos não com todas. No caso da Pseudoboa nigra, a falta de peçonha e o pequeno porte do filhote tornaram-o uma presa ainda mais vulnerável à abordagem da coral.
Predação foi registrada durante a noite, no mês de novembro
Willianilson Pessoa
"Essa muçurana não come cobras, ao contrário do que dizem. Mesmo que fosse uma cobra que se alimenta de outras, essa cobra-preta, por ser filhote e não ser peçonhenta como uma coral-verdadeira, ela teria sido predada do mesmo jeito", explica o especialista em cobras.
Ao contrário da P. nigra, as cobras corais-verdadeiras possuem uma dieta especializada que inclui outras cobras, além de lagartos e, ocasionalmente, pequenos anfíbios. A eficiência predatória das corais-verdadeiras está relacionada à sua potente peçonha, que age rapidamente, imobilizando a presa antes que ela possa reagir.
"A cobra-preta filhote tem um mecanismo de defesa que foi selecionado pela evolução para evitar predação, mas isso não funciona para serpentes. A coral-verdadeira vai atrás da presa pelo cheiro. E aí, o que acontece? Ela não tem nenhuma defesa", afirma o herpetólogo.
Geralmente, todos os filhotes de cobra-preta no Brasil nascem avermelhados com algum anel no corpo ou algum detalhe branco e preto. Isso é chamado aposematismo, ou coloração aposemática, uma característica adaptativa que permite que os predadores reconheçam que uma presa é tóxica ou impalatável apenas pela cor.
Filhotes de cobra-preta nascem avermelhados para 'enganar' predadores
Willianilson Pessoa
"Eles foram selecionados pra ser vermelhos, com esse padrão aposemático, para que os predadores fiquem com medo e desistam do ataque. Já que ela não sabe caçar, é como se fosse um blefe. Um exemplo é a coral-falsa, que não precisa ser peçonhenta como a verdadeira”, explica Willianilson.
Podemos dizer que a evolução tentou fazer isso com os filhotes de cobra-preta para que alguns predadores mamíferos que enxergam cores pudessem ser despistados. Já que as serpentes não enxergam cor e vão pelo cheiro, isso então não faz diferença.
O que torna a coral-verdadeira um predador tão eficiente?
Na natureza, temos dois tipos de predadores: o “senta e espera”, como a jararaca, que se camufla e espera para dar o bote na presa, e o forrageador ativo, que é aquele predador que sai caçando.
Registro incomum foi feito em Santa Luzia (PB)
Willianilson Pessoa
“A coral-verdadeira sai caçando pelo cheiro, ela tem um olfato muito apurado porque eles se orientam pelo olfato, usando a língua bífida, que é o que capta as moléculas de cheiro”, explica Willianilson.
Segundo o especialista, quando a serpente bota a língua para fora, as partículas de odor de cheiro que estão no ar grudam na língua e quando a língua entra, ela passa em um órgão vômeronasal chamado “órgão de Jacobson”, responsável por detectar feromônios e substâncias químicas no ambiente.. Esse movimento que as serpentes fazem com a língua se chama dardejar. Em seguida, partículas de cheiro captadas pelo órgão vão para o cérebro, que manda o sinal indicando sua presa.
"Outra coisa é a toxina. É um bicho extremamente peçonhento, a toxina dela é neurotóxica, então atinge o sistema nervoso. O bicho não consegue andar, não consegue correr. Ela não dá bote e solta, ela fica segurando. A coral-verdadeira mata por toxina, ela morde e segura e fica injetando e mordendo”, diz.
Predadores da coral-verdadeira
As corais-verdadeiras podem ser alvo de outras serpentes e de outros animais específicos. Na Caatinga, onde o vídeo foi gravado, a espécie de cobra-preta Boiruna sertaneja é a única que se alimenta de outras serpentes.
No Brasil, o gênero Clelia, outro tipo de serpente que se alimenta de outras cobras, também pode predar a coral-verdadeira. Além das cobras, corujas, seriemas e outras aves de rapina são excelentes predadores de cobras corais.
*Texto sob supervisão de Lizzy Martins
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