(Foto: Reprodução) 'Rupirana kaatinga' recebeu o nome em homenagem à região do bioma onde ocorre; pequeno anfíbio é o segundo conhecido para o gênero Rupirana A espécie Rupirana kaatinga, chamada também de rã-rupestre-da-Caatinga, foi descoberta recentemente na Bahia
Sarah Mângia
Na Serra do Assuruá, no município de Gentio do Ouro, na Bahia, há uma região entre as montanhas apelidada de Cafundó pelos moradores. Foi andando por lá que uma bióloga brasileira encontrou uma nova espécie de rã antes desconhecida pela ciência.
Com base no DNA, morfologia e vocalização, a descoberta da pequenina Rupirana kaatinga, chamada também de rã-rupestre-da-Caatinga, foi publicada no Journal of Vertebrate Biology, no último dia 14.
A rã vive em riachos temporários nessa parte da Caatinga, acima de 800 metros de altitude, com água corrente apenas nos meses de novembro, dezembro, janeiro e fevereiro.
O encontro e a descoberta
Em junho de 2021 a bióloga Sarah Mângia foi até a região da Serra do Assuruá realizar um monitoramento de anfíbios e répteis durante a instalação de um complexo eólico.
Nova espécie de rã é descoberta na Caatinga
Na época, um riacho chamado São João, estava completamente seco, mas, alguns meses depois, em novembro, quando Sarah retornou ao local, ele já estava cheio novamente.
Além do som tranquilo da água corrente, ouvi um ruído abafado, parecido com o piado de um pequeno patinho chamando pela mãe. Me aproximei do riacho e, lá estava ela: uma rã vocalizando com metade do corpo submerso
De acordo com ela, o que chamou a atenção foi reconhecer de imediato que se tratava do gênero Rupirana, que até então contava com apenas uma espécie conhecida e endêmica da Chapada Diamantina, a Rupirana cardosoi.
“Logo me perguntei: 'O que ela está fazendo aqui? A 200 km de distância do ponto mais próximo da distribuição conhecida e em outro pico de montanha, adjacente às Dunas do Rio São Francisco?' Foi nesse momento que percebi a possibilidade de estar diante de uma espécie ainda desconhecida”, relembra.
A rã pode medir até 30 milímetros
Sarah Mângia
Depois de vários estudos e análises, a suspeita estava confirmada. Por 26 anos, Rupirana cardosoi foi a única espécie do gênero. Agora, ela tem uma irmã: Rupirana kaatinga. (do Tupi- Guarani “ka’a” = mata, “ting” = branca)
“Este nome foi escolhido em homenagem à região da Caatinga devido ao seu endemismo e forte conexão com os ciclos de chuva e seca neste bioma, ele faz referência à paisagem esbranquiçada apresentada pela vegetação da Caatinga durante a estação seca, quando a maioria das plantas perde suas folhas e os troncos ficam esbranquiçados e secos”, explica.
Riacho São João fica seco a maior parte do ano, mas entre novembro, dezembro, janeiro e fevereiro ele volta a encher
Sarah Mângia
A pronunciada sazonalidade nesta região, segundo a pesquisadora, influencia significativamente os ciclos de vida dos organismos que habitam esse tipo de ambiente, de forma mais ou menos perceptível para algumas espécies, como a nova descoberta, que só é observada quando o riacho está cheio.
“É muito interessante esse sentimento de que ninguém mais no mundo sabe da existência dela. Uma emoção única, individual, ainda íntima e secreta”, finaliza.
A espécie
A rã-rupestre-da-Caatinga atinge até 30 milímetros e os machos se diferem das fêmeas por fendas vocais (que ficam nas laterais da língua, dentro da boca) e asperidades de um preto escuro no polegar. Eles coaxam enquanto se posicionam com a metade posterior de seus corpos submersos, tanto durante o dia quanto à noite. Eles preferem locais ocultos, frequentemente escondidos sob folhas e pequenas pedras.
As diferenças maiores entre as duas espécies do mesmo gênero (Rupirana kaatinga e R. cardosoi), além do DNA, é que a rã-rupestre-da-Caatinga apresenta pele lisa no dorso, incluindo braços e pernas, com apenas alguns pequenos tubérculos espalhados, enquanto o dorso de R. cardosoi é coberto por numerosos tubérculos brancos, grandes e dispersos. “Além disso, o canto de anúncio — emitido pelo macho para atrair fêmeas durante o período reprodutivo — também difere entre essas duas espécie”, esclarece Sarah.
A nova espécie agora é a segunda do gênero Rupirana
Sarah Mângia
Segundo a pesquisadora, atualmente, R. cardosoi está categorizada como vulnerável (VU) na lista global de espécies ameaçadas e a descoberta de R. kaatinga representa um avanço significativo no entendimento da biodiversidade da Caatinga, uma região ainda pouco explorada do Brasil.
“No entanto, ela também revela a fragilidade dessas populações, que podem estar ameaçadas e até extintas antes mesmo de serem formalmente descritas. Essa descoberta destaca as lacunas críticas no conhecimento da biodiversidade, especialmente em áreas de alta prioridade para a conservação, como a Serra do Assuruá. Ela ressalta a necessidade urgente de intensificar os levantamentos e monitoramentos nessas regiões pouco exploradas, que podem abrigar muitas outras espécies ainda desconhecidas”, reforça.
Além disso, a pesquisadora explica que descoberta foi facilitada pelo desenvolvimento de parques eólicos em áreas antes de difícil acesso, o que chama atenção para os desafios ecológicos impostos por esses projetos.
Jovem da espécie possui coloração diferente
Sarah Mângia
“Isso reforça a necessidade de encontrar um equilíbrio entre o avanço da energia renovável e a preservação da biodiversidade e destaca a importância de alinhar pesquisa científica com um desenvolvimento responsável, garantindo tanto a sustentabilidade ambiental quanto a proteção de ecossistemas únicos”, finaliza.
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